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Créditos em garantia fiduciária de recebíveis e a recuperação das empresas de varejo

Atualizado: 26 de set. de 2022

Há muito o varejo não vê mais a circulação de dinheiro em suas operações de vendas – muito menos a presença do pagamento em cheque. A moeda de plástico, ou seja, o cartão, seja ele de crédito ou débito, substituiu o chamado papel-moeda. Visando atrair ainda mais os consumidores para as compras, os varejistas começaram a oferecer condições de parcelamentos nos cartões – ou se viram obrigados a oferecê-las – para tentar driblar a crise de mercado, razão pela qual os consumidores experimentam forte diminuição em seu poder de compra. Grandes redes de varejo passaram a oferecer parcelamentos em 3, 5, 8 ou até 10 vezes no cartão. Vale lembrar que uma das gigantes do varejo faz massiva propaganda que diz “10 vezes no cartão, com 60 para pagar”, ou seja, além de parcelar em 10 vezes, os consumidores ainda ganham fôlego para começar a pagar em 60 dias.





Ora, diante de um quadro desses, não se é permitido cruzar os braços e assistir a

concorrência abocanhar os consumidores. E aí vem o efeito manada, e todos passam a

oferecer condições semelhantes ou até mais agressivas.


Mas, oferecendo cada vez mais facilidades no pagamento, preços mais agressivos,

condições mais vantajosas, o varejo viu suas margens diminuírem drasticamente, contando também com a sensível diminuição do consumo e consequente redução de receitas.


Para fazer frente às necessidades de caixa, os varejistas passaram a antecipar seus

recebíveis, com taxas para lá de salgadas. Para promoverem a antecipação, as redes de lojas experimentaram mais um forte baque, que as levou a consumir boa parte da margem. A conta não fechou. As linhas de crédito começaram a ficar cada vez mais escassas, a exigência de garantias por parte das instituições financeiras já não conseguia ser atendida – o varejo, com raras exceções, não possui ativos que possam servir de garantias. Veio então a cessão em garantia fiduciária de recebíveis, onde os Bancos, baseados em um histórico potencial de vendas realizadas no cartão de crédito, ofereciam determinados valores em empréstimos garantidos nesta modalidade. O que não se esperava era que a crise das empresas se intensificasse e as levasse ao destino da recuperação judicial.


Só para citar algumas empresas varejistas que ingressaram com recuperação judicial

nos últimos anos, temos: Barred’s, Camisaria Colombo, BMart, Contém 1gr, Saraiva,

Livraria Cultura, entre diversas outras espalhadas pela Brasil.


As empresas varejistas, ao ingressarem com a recuperação judicial passaram a

enfrentar a "inglória" batalha de tentar impedir as chamadas “travas bancárias”, que

ocorreram e ocorrem com frequência, causando danos muitas vezes irreparáveis às

recuperandas.


Lembremos o que a Lei de recuperação de empresas e falência, Lei 11.101/2005,

em seu Art. 49 § 3º, diz:

"Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial."


As empresas varejistas não possuem ativos imobilizados. Em sua essência o varejo

vive basicamente de compra e venda de produtos ou de serviços. Os únicos bens que uma empresa de varejo tem, efetivamente falando, são em primeiro momento os produtos que se apresentam no estoque e que, após vendidos, em um segundo momento, se transformam em valores a serem recebidos. Esses valores, então, passam a ser objetos das travas bancárias, oriundas da cessão fiduciária.


As discussões se acaloraram ao longo dos anos e das diferentes experiências vividas

nas recuperações. As interpretações foram e ainda têm sido das mais diversas quanto à essencialidade do bem, objeto da fidúcia. Que bem poderá ser mais essencial a uma

empresa que o seu próprio capital?


O Ministro do STJ, Marco Aurélio Bellize, relator do Recurso Especial Nº

1.758.746 - GO, julgado em outubro de 2018, entendeu – frise-se: de forma contrária ao

juízo recuperacional de 1ª instância e ao entendimento da 2ª instância –, que o objeto da cessão fiduciária de recebíveis não se configura em bem de capital. Este entendimento é uma "pá de cal" em muitas recuperações de empresas varejistas.

Também é fato que para que os bancos continuem a emprestar dinheiro as empresas,

é necessário que se tenha o mínimo de segurança jurídica, em senso comum: que os

institutos sejam respeitados.


Mas como recuperar as empresas de varejo, tirando-lhes a possibilidade de

receberem pelos produtos ou serviços vendidos? Estamos diante de uma situação espinhosa e as decisões são diversas e controvertidas.

O Desembargador Hamide Bdine, relator no Agravo de instrumento nº 2155873.03.2016.8.26.0000, acertadamente proferiu o seguinte entendimento nos autos:


"Ademais, é forçoso notar que esses créditos futuros mantém a

atividade da recuperanda, isto é, estão atrelados à atividade

empresarial essencial, que, no caso, é o fornecimento de bens de

consumo ao mercado. Afastar da empresa em recuperação o

recebimento dos pagamentos no decorrer da recuperação judicial,

significa retirar dela os efeitos desse beneficio concedido."


O voto foi de uma clareza solar: permitir a trava bancária significa retirar da empresa a real possibilidade de sua recuperação. O juiz Dr. Daniel Cárnio Costa, em recente artigo intitulado “Teoria da essencialidade de bens e as travas bancárias na recuperação judicial de empresas”, publicado no portal Migalhas, afirma:


"... a melhor interpretação que se deve dar ao art. 49, §3º da lei 11.101/05 é aquela que equilibra o exercício do direito do credor fiduciário com a preservação da empresa e a tutela de sua função social. Qualquer ativo que seja essencial à restruturação da empresa viável – seja bem de capital ou não – deverá ser preservado durante o período em que a devedora negocia um plano de superação da crise com seus credores."


Com toda certeza, muitas decisões ainda penderão para um lado ou para outro, mas

uma coisa é certa: as empresas de varejo que se encontram em recuperação judicial,

dificilmente alcançarão êxito em seus processos se o entendimento da trava bancária fruto da cessão fiduciária de recebíveis, continuar a prevalecer em benefício do credor.

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